PERCEPÇÃO DA HOSPITALIDADE NA VISITAÇÃO TURÍSTICA DE COMUNIDADES
ISOLADAS NA REGIÃO DE
PARATY:
GUARANIS, CAIÇARAS E QUILOMBOLAS
PERCEPCIÓN DE LA HOSPITALIDAD EN UNA VISITA TURÍSTICA A COMUNIDADES
AISLADAS EN LA REGIÓN DE PARATY: GUARANÍES, CAIÇARAS Y QUILOMBOLAS
PERCEPTION OF THE HOSPITALITY IN THE TOURIST VISITATION TO ISOLATED
COMMUNITIES IN PARATY REGION: GUARANIS, CAIÇARAS AND QUILOMBOLAS
Luis
Alberto Beares[1]
Samanta
Gallo Cabral[2]
RESUMO: O turismo em comunidades isoladas
coloca em contato culturas diversas e deve ser trabalhado com cuidado para não
causar danos ambientais e perdas culturais que comprometam o desenvolvimento
local e gerem relações hostis. A
proposta de turismo situado, considerando a memória e o patrimônio das localidades
como fator potencial de hospitalidade, foi observado em visita técnica a três
comunidades localizadas na região de Paraty e redondezas: Guarani, Caiçara e
Quilombola. Por meio de trabalho de campo, envolvendo a visitação dos locais e
entrevistas com residentes, foram levantadas informações considerando as
diferenças culturais e a representatividade da terra ocupada na história de
cada uma das comunidades. O elo comum na história desses povos é a luta pelo
direito de posse do território. Verificaram-se diversas formas de hospitalidade
em cada uma delas a partir dos diferentes costumes e valores culturais, percebidas
durante as visitas no momento em que cada comunidade exercitou a partilha do
seu território com os visitantes.
Palavras-chaves: Hospitalidade. Cultura.
Turismo situado. Comunidades.
ABSTRACT:
Tourism in secluded communities puts different cultures in contact with each
other and must be handled carefully not to cause environmental damage as well
as cultural loss which might jeopardize the local development and create
hostile relationships. The proposal of in
sito tourism, considering the local memory and patrimony as a hospitality
potential, was observed during technical visitations to three communities
located in the Paraty region and surroundings: Guarani, Caiçara and Quilombola.
Through field work involving visitations to the communities and interviews with
the residents, information regarding cultural differences and the importance of
the land occupation in the history of each of the communities was assessed. The
common link in the history of these peoples is the struggle for the right of
possession of the territory. Various forms of hospitality in each one of the
communities were verified, from different cultures and cultural values, perceived
during visitations carried through at the moment the community shared their
territory with the visitors.
Key-words:
Hospitality. Culture. In sito tourism.
Communities.
RESUMEN: El
turismo en comunidades aisladas permite el contacto entre distintas culturas y
se debe trabajar con cuidado para no ocasionar daños ambientales y pérdidas
culturales que comprometan el desarrollo local y provoquen relaciones hostiles.
La propuesta de turismo situado, considerando la memoria y el patrimonio de las
localidades como un factor potencial de hospitalidad, se observó durante una
visita técnica a tres comunidades localizadas en la región de Paraty y
alrededores: Guaraní, Caiçara y Quilombola. Por medio de un trabajo de campo, que
consistió en la visita de los locales y entrevistas con residentes, se
levantaron las informaciones considerando las diferencias culturales y la
representatividad de la tierra ocupada en la historia de cada una de las
comunidades. El eslabón común en la historia de estos pueblos es la lucha por
el derecho de pose del territorio. Se verificaron diversas formas de
hospitalidad en cada localidad a partir de las distintas costumbres y valores
culturales, percibidas durante las visitas en el momento que cada comunidad compartió
su territorio con los visitantes.
Palabras clave: Hospitalidad. Cultura. Turismo
situado. Comunidades.
Introdução
Os seres humanos criam cultura, inventam formas de
comportamento a partir de suas experiências de relacionamento as quais não
estão presas a códigos genéticos determinados, sendo fruto da vivência em um
dado ambiente, transmitida e aprendida pelos membros de uma mesma comunidade. Dessa capacidade especificamente humana resulta
que cada comunidade possui comportamentos próprios, produto de sua experiência
cultural, que a distingue das demais e somente podem ser entendidos a partir de
sua referencia histórica particular. A cultura é estudada preferencialmente
pelos antropólogos por meio do método comparativo que constitui uma das
principais ferramentas na busca para identificar as características sociais
comuns e únicas do comportamento humano. Estudar a cultura requer do
pesquisador uma aproximação estreita com a realidade sendo a imersão no
trabalho de campo, com observação direta da vida das comunidades, a atividade que
possibilita perceber as manifestações de determinados comportamentos em grupos
culturais distintos. Ir a campo é tarefa essencial para verificar hipóteses e
levantar dados de natureza antropológica, como é o caso daqueles que se referem
às normas e códigos não escritos de conduta que regulam as relações de
hospitalidade.
Todos os grupos humanos possuem regras que regulam
o recebimento de indivíduos de fora no seu território, na sua casa, no seu
espaço. São fronteiras simbólicas que definem esses espaços nos quais os
membros do grupo partilham uma cultura desenvolvida em sua relação com os
demais e com o ambiente no qual se situa. Ser recebido no território do outro
significa passar essa fronteira e assumir comportamentos que são determinados pela
comunidade receptora com o objetivo de garantir nossa proteção e segurança
enquanto estamos sob sua guarda.
A hospitalidade compreende as formas de conduta que
definem como os membros de fora são recebidos em determinados grupos sendo,
portanto, comportamentos definidos pela cultura de cada um e que difere de um
grupo para o outro. Entendendo que o comportamento cultural é organizado e
regido por normas aceitas pelos membros dos grupos é possível, para o pesquisador
ou o antropólogo, observar o que seria o modo de comportamento hospitaleiro próprio
de um determinado grupo e compará-lo com o de outros grupos. Os registros da
descrição das atividades de campo permitem esclarecer dados da conduta de uma
comunidade, importantes para a compreensão das relações que se estabelecem
entre grupos sociais diferentes, bem como das normas que as orientam. Partindo dessas
premissas esse trabalho relata elementos da oferta de hospitalidade observados em
três comunidades: Guarani, Caiçara e Quilombola; localizadas na região de
Paraty e redondezas, durante visita técnica realizada para a disciplina de Planejamento
e gestão ambiental e a hospitalidade do lugar turístico cursada pelos autores
no Mestrado em Hospitalidade no primeiro semestre de 2007.
Turismo e hospitalidade em áreas
isoladas
O conhecimento dos valores fundamentais que regulam
a vida e a cultura de diferentes comunidades nos permite identificar
denominadores comuns, aquilo que é compartilhado por toda a sociedade. Trata-se
de um conhecimento especialmente relevante na época atual, pois o contato e a
visitação entre grupos diferentes são cada vez mais intensos em decorrência de
motivações de diversas ordens: comercial, científica, humanitária, lazer e
turismo entre uma infinidade de outras.
A visitação de comunidades relativamente isoladas, como
as residentes em áreas de preservação ambiental ou de reservas indígenas, está
sujeita à aceitação do grupo visitante das normas e regras estabelecidas pelos
anfitriões para que a visita ocorra de forma tranqüila e sem atritos e
hostilidade. Com o desenvolvimento da atividade turística é cada vez mais
freqüente a ocorrência de contato entre grupos culturais distintos, sem que
haja o interesse antropológico de conhecer a cultura do outro e se substituindo
esse interesse por uma curiosidade sobre o que é exótico, ou selvagem e
diferente. Os grupos visitados, por sua vez, geram respostas comportamentais
que regulamentam a satisfação dessa demanda estabelecendo padrões e limites que
devem ser observados. Cria-se dessa forma todo um sistema de oferta de
hospitalidade, que tem por objetivo atender aos visitantes gerando o menor
impacto possível na comunidade visitada, ocasionando diferentes percepções da
acolhida recebida por parte daqueles que fazem a visitação.
A comunicação entre os grupos que entram em contato
acontece por meio do uso de uma linguagem que seja comum, de domínio pelo menos
mínimo por parte dos integrantes do encontro. Entre os principais trabalhos
desenvolvidos pelos antropólogos estão o conhecimento e domínio da língua dos
grupos em que exercitam a observação. Trata-se não apenas de entender as
palavras, mas também as demais linguagens que dizem respeito aos gestos,
expressões e outras formas de comunicação. Isso implica em um aprendizado que
requer um tempo longo de permanência no grupo o que não ocorre nas visitas
realizadas de forma ocasional, como é o caso das visitas turísticas e mesmo de
visitas técnicas com finalidade de estudo, como a realizada para o presente
trabalho.
Valores, princípios e outros elementos da cultura são
transmitidos aos membros de uma comunidade por meio da linguagem, da fala, sendo
cada língua parte integrante da cultura configurando um sistema estruturado em
si mesmo, o que quer dizer que as línguas são relativas e devem ser vistas em
seus próprios termos. Assim o que uma cultura vê como certo, elegante e bonito
pode ser considerado de forma totalmente diferente por membros de outra
cultura, pois os significados atribuídos são diferentes o que altera a
percepção. Desse modo é de se supor que nem sempre aquilo que é falado pelo
visitado na língua do visitante pode ser interpretado no padrão de referência
do idioma original. Falar diretamente em dinheiro, por exemplo, como ocorreu
durante esse trabalho de campo, pode ser considerada uma atitude imprópria para
o visitante, mas não para o visitado na leitura que é feita por ele da cultura
do outro. Isso se dá devido ao fato que palavras são acompanhadas por uma
imensa gama de elementos não lingüísticos e que são determinados pela cultura.
Trata-se de reconhecer na linguagem uma carga emotiva decorrente da
significação e do ambiente social em que é usada o que faz com que exista uma
ligação estreita entre os modos de expressão e a percepção da hospitalidade,
pois o que cada individuo vê internamente pode refletir diferentes imagens a
partir de uma mesma palavra. Do mesmo modo a fala nem sempre expressa o
pensamento primário de forma exata o que traz problemas de interação social.
Para entender o significado de uma frase ou afirmação é preciso entender o
ambiente social da conversa, quem está presente, qual o status dos envolvidos
entre outras variáveis culturais. A percepção da hospitalidade fica
comprometida quando os significados não são devidamente compreendidos.
Embora relações de hospitalidade tenham existido
sempre que grupos culturais distintos entram em contato por meio de alguns de
seus representantes, o termo hospitalidade, segundo Lashley (2004), vem sendo
utilizado há algumas décadas para descrever o conjunto de atividades do setor
de serviços associadas à oferta de alimentos, bebidas e acomodação. Com isso o
uso do termo hospitalidade, para muitos especialistas, transformou-se em sinônimo
de Hotelaria e catering, sentido esse
que deve ser entendido em relação a sociedades baseadas no sistema de produção
em massa próprio do estágio atual de evolução da sociedade industrial.
De acordo com Telfer (2004), a “hospitalidade” é o
nome que se dá à característica das pessoas hospitaleiras. No seu significado
básico é a oferta de alimentos e bebidas e, ocasionalmente, acomodação para
pessoas que não são membros regulares da casa. Ademais, a autora ressalta a
existência de hospitalidade a nível comercial, mas, a idéia central do conceito
envolve a partilha da própria casa e a provisão de terceiros.
Para fundamentar o conceito mais amplo da
hospitalidade ela considera que “receber um convidado torna [o anfitrião]
responsável por sua felicidade, enquanto a visita estiver debaixo do seu teto”
(BRILLAT-SAVARIN, 1970 apud TELFER, 2004).
Telfer (2004) ainda ressalta que o anfitrião assume
total responsabilidade sobre o hóspede, não apenas no que diz respeito à sua felicidade
como, também no que tange à sua segurança. Segundo a autora a hospitalidade seria
uma espécie de santuário cuja natureza varia segundo épocas e lugares e, que o
estudo da mesma se torna muito mais amplo devido às diferentes características
a serem consideradas, conforme as condições e as convenções dominantes.
O estudo da hospitalidade nos dias atuais também
envolve o conceito de relacionamento entre pessoas, geração de novos vínculos
ou fortalecimento de vínculos já existentes, o que inclui conhecimentos gerados
na área de ciências humanas e afins, sociologia, antropologia, línguas,
cultura, costumes, etc.
Para esse trabalho observou-se os modos com que um
grupo de alunos do Mestrado em Hospitalidade da Universidade Anhembi Morumbi
foi recebido em três comunidades na Região de Paraty. A visita teve por
objetivo levantar dados sobre propostas de turismo situado, associando a natureza,
a cultura e uma economia que respeita a diversidade do nosso mundo. A idéia é
promover o intercâmbio cultural por meio do turismo, preservando a memória dos
sítios[3]
visitados, sem se orientar apenas pelas exigências do mercado que teria o
efeito perverso de destruir a diversidade.
As três comunidades visitadas possuem um rico
patrimônio cultural com diferentes nuances que marcam as fronteiras e as
especificidades de cada uma delas. Segundo Camargo (2002) o patrimônio cultural
em qualquer sociedade é sempre produto de uma escolha e, como toda escolha, tem
um caráter arbitrário. Resulta da seleção de alguns elementos, enquanto outros
seriam passíveis de esquecimento e destruição. Artefatos culturais são objetos
dotados de funcionalidade a qual nem sempre permanece. Na medida em que a
função se torna obsoleta o patrimônio cultural só pode ser entendido como um conjunto
de símbolos e significados.
A hospitalidade e suas manifestações são parte
integrante do patrimônio cultural de uma comunidade variando, portanto, segundo
as diferenças culturais existentes e devendo ser entendida e interpretada como
um conjunto de símbolos. Entender corretamente o significado das expressões
culturais que simbolizam a hospitalidade é fundamental para perceber e
interpretar as expressões e manifestações hospitaleiras próprias de cada grupo
ou comunidade humana.
Procurando entender as diferenças entre as
manifestações de hospitalidade decorrentes da diversidade cultural foi
utilizada como técnica de abordagem a observação, durante visita técnica, e a entrevista
semi-estruturada realizada com membros das comunidades visitadas sempre que
possível. A partir das informações coletadas e considerando as diferenças
culturais foram percebidas diferentes formas de hospitalidade, características
de cada unidade observada. Considerando a hospitalidade como uma relação social
que se estabelece entre indivíduos que pertencem a grupos diferentes a
hospitalidade é aqui descrita na forma como foi percebida pelos pertencentes ao
grupo visitante. O choque cultural se manifesta na forma como são interpretadas
as ações do grupo visitado na leitura dos referenciais do próprio grupo
visitante, que nem sempre compreende a leitura cultural que os membros da
comunidade visitada fazem da sua cultura. Um elemento fundamental a ser
considerado é que a comunicação foi realizada na língua dos visitantes, quando estes
não dominavam o idioma local, o que certamente dificultou uma percepção mais
acurada da hospitalidade na medida em que para se ter uma visão interna de uma
cultura é necessário conhecer seus signos. Nesse caso, ao usar a língua dos
visitantes, os membros das comunidades nem sempre captam as nuances culturais
nas palavras usadas o que implica na formação de ruídos na comunicação que
freqüentemente geram mal-entendidos. Na seqüência apresentam-se as percepções
colhidas durante a realização das visitas.
1 COMUNIDADE GUARANI DA ALDEIA
ARAPONGA
Esta tribo conta com 28 índios e habita numa região
de mata e de difícil acesso. O transporte do grupo da APA para a aldeia foi
realizado pelo filho do cacique em uma caminhonete Toyota doada para a
comunidade por um grupo de turistas europeus. A aldeia está dentro de uma área
de preservação ambiental e só é permitida a entrada e a visita com autorização
dos órgãos do estado que administram e fiscalizam a região e também a
autorização da própria comunidade indígena.
Na chegada o cacique recebeu o grupo no meio da
aldeia, sentado e rodeado pelos integrantes da tribo os quais pertenciam à
mesma família. Nessa ocasião informou ao grupo às condições exigidas para a
visita como os valores que deveriam ser pagos para tirar fotos do local e com
os integrantes da comunidade, o valor do transporte na Toyota e, as condições
de compra de peças artesanato. Ficou claro que a comunidade esperava que a
oferta do local para visitação resultasse em alguma fonte de renda.
O cacique explicou que apenas responderiam as perguntas
com respeito aos seus costumes e cultura que fossem formuladas de uma forma
educada e civilizada, indicando ter havido problemas decorrentes da falta de
delicadeza e de indiscrição de outros visitantes.
Após as apresentações formais foram explicados os
objetivos da visita à comunidade. O grupo foi conduzido a um dos locais de
lazer preferidos da tribo, por uma trilha com elevado grau de dificuldade, até uma
cachoeira localizada a um quilometro da aldeia no meio da mata. O local é de
difícil acesso, com uma queda d’água cristalina de quinze metros
aproximadamente.
Após a visita o grupo retornou a aldeia e foi convidado
a adentrar no salão onde se realizam todas as cerimônias festivas e religiosas,
chamado de casa de reza. No interior do salão o filho do cacique apresentou os
instrumentos utilizados pelo cacique para convocar os integrantes da comunidade
para participar de algum evento. Em seguida foram oferecidos pelas mulheres da
tribo: artesanatos e instrumentos musicais fabricados pela própria comunidade e
um livro editado para Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) num
trabalho conjunto com as comunidades indígenas da região, utilizado para
ensinar o idioma guarani aos mais jovens.
Efetuados os acertos combinados o filho do cacique
fez o retorno do grupo até a sede da APA, o ponto de partida da visita.
1.1 Percepções da hospitalidade
Sempre que pessoas de diferentes culturas se
encontram, como acontece com quem se desloca regularmente, seja como turista ou
por qualquer outro motivo, a identidade de cada um se confronta com a do outro.
Todos nós consideramos a nossa cultura, grupo étnico ou nação superior as
demais, em um processo denominado como etnocentrismo[4].
Embora se espere do pesquisador que ele adote uma atitude de abertura para o
diferente, de modo a interpretar os fatos observados a partir da realidade do
outro, essa tarefa se mostrou difícil durante a visita efetuada.
O primeiro choque se deu quando o grupo se
defrontou com o cacique e suas explicações de como seriam feitas as cobranças
dos serviços oferecidos. A percepção do grupo foi de uma recepção hostil,
orientada apenas pelo interesse no dinheiro que seria ganho pela comunidade e
não em uma preocupação genuína de receber bem o visitante oferecendo acolhida e
proteção. A interferência dos códigos ocultos de linguagem na percepção da
hospitalidade ficou bem clara nessa situação. Falar abertamente em dinheiro foi
percebido como uma atitude de mau gosto, até mesmo agressiva por parte dos
visitantes, pois a cultura desse grupo esconde ou torna pouco claro o interesse
monetário nos serviços de acolhida. Na referência cultural do cacique, entretanto,
essa atitude não tinha a intenção de ser hostil, era apenas uma forma de dar a
conhecer as regras estabelecidas pela comunidade para a visita de estranhos.
Pode-se dizer que de certa forma os membros do
grupo visitante estavam impregnados por uma idéia romântica de que a
hospitalidade é um dever incondicional e que a sua oferta deve ser gratuita.
Segundo a professora Bueno (2003, p. 19), numa
definição mais ampla de hospitalidade:
Hospitalidade, do ponto de vista
analítico-operacional, pode ser definida como o ato humano, exercido em
contexto doméstico, público ou profissional, de recepcionar, hospedar,
alimentar e entreter pessoas temporariamente deslocadas de seu habitat. A
interseção de ambos os eixos cria dezesseis campos teóricos para o estudo da
hospitalidade humana.
A hospitalidade não consiste em dar um espaço ao
outro, mas em receber o outro no seu espaço. Para a comunidade guarani a sua
terra e as suas tradições culturais são as maiores riquezas que possuem sendo a
permissão para visitação o único meio pelo qual podem ter acesso a uma renda
que lhes faculte ter acesso a produtos da cultura dos brancos. O fato de o
cacique ter recebido o grupo não na sua língua nativa, mas na língua dos
visitantes foi uma atitude hospitaleira, mas a forma com que esse se expressou
teve para o grupo uma conotação hostil.
A continuidade da visita e o comportamento da tribo
no decorrer do dia foram alterando a percepção de hostilidade inicial por parte
do grupo visitante, fazendo com que esse entendesse que essa forma de conduta
se devia às diferenças culturais e de costumes, sendo esse o modo local de
mostrar hospitalidade.
Vale aqui relembrar que quando se visita uma local
de cultura diversa é preciso estar aberto para entender as diferenças. Como
afirma Gonçalves (2005, p. 54):
Na antropologia, pelo menos desde os funcionalistas
Malinowski e Margareth Mead, não se pode julgar um povo, uma cultura, enfim,
uma comunidade a partir dos valores de quem as estuda.[...] O antropólogo que
se propõe a conhecer um povo-cultura deve deixar que ele fale para tentar
compreendê-lo. As comunidades primitivas, por exemplo, não podem mais ser
tratadas como objeto.
Sendo a hospitalidade uma forma de relação entre os
indivíduos é fundamental que os envolvidos nessa relação aceitem regras comuns
que facilitem o entendimento. No caso dessa visita foi fundamental o
entendimento das expectativas dos índios por parte dos visitantes e da intenção
e do objetivo da visita por parte dos índios. Passado o momento inicial em que
foram aceitas as normas de visita e entendidos os propósitos dos visitantes os
membros da tribo passaram a tratar a todos com cortesia e convidaram a todos
para conhecer os espaços físicos de lazer, convivência e culto religioso.
A hospitalidade oferecida pelo cacique incluiu a
abertura de seu próprio núcleo familiar: apresentou seu filho e o neto recém
nascido ao grupo, assim como toda a sua família. Permitiu ainda que se
adentrasse a casa de reza onde são realizados rituais religiosos, reuniões da
tribo e outros rituais que foram descritos informando os papéis dos integrantes
da comunidade com cada instrumento musical utilizado. Com isso permitiu que o
grupo penetrasse de fato no seu espaço com tranqüilidade e segurança,
partilhando elementos de sua cultura e comunidade durante o tempo da visita.
A hospitalidade implica no acolhimento transitório
de alguém que não pertence ao grupo, trata-se de permitir ao outro conhecer a
realidade do grupo permanecendo na condição de outro. Implica em respeito e
troca o que de fato ocorreu durante a visita. Foi possível conhecer elementos
da cultura da comunidade Guarani e estabelecer laços que viabilizem uma troca
futura com base na possibilidade do grupo vir a desenvolver propostas de
turismo situado. Embora a troca monetária tenha estado presente desde o inicio
da visita ela não foi o elemento mais importante da relação de hospitalidade. A
cordialidade e o acolhimento foram os fatores marcantes que distinguiram essa
visita.
Trazendo essas considerações para o contexto de uma
economia de serviços deve se considerar, conforme as considerações de Telfer
(2004), que mesmo sendo os serviços oferecidos por uma empresa pagos e,
portanto um comercio, ainda assim pode representar um ato de hospitalidade
dependendo da postura e atitudes dos funcionários que prestam esses serviços.
Para Brillat-Savarin (apud TELFER, 2004): “Receber
um convidado torna [o anfitrião] responsável por sua felicidade, enquanto a
visita estiver debaixo do seu teto”. Ainda para Telfer o anfitrião assume
responsabilidade quase total pelo hóspede enquanto o mesmo se encontra na sua
residência. Assim ocorreu quando o filho do cacique junto com alguns jovens da
tribo conduziu o grupo por uma trilha na mata até a cachoeira para conhecer o
local de lazer que eles têm e também tomar banho e tirar fotos. O ato de
permitir entrar no seu grupo familiar durante algumas horas e compartilhar do
seu espaço de lazer e culto está demonstrando a criação de um vínculo que vai
além do simples ato de receber uma visita temporária. Isso é acolhimento,
oferecer o que se tem de mais valioso.
Antes da saída da aldeia as mulheres apresentaram o
artesanato produzido pela tribo e também um livro de ensino do idioma guarani
utilizado nas escolas das comunidades indígenas da região. Não se trata de um
livro qualquer, com algumas palavras em guarani para vender aos turistas, mas
sim de um autentico produto intercultural pois resulta de um Projeto de
Formação de Professores Guarani e Produção de Materiais Paradidáticos para
Escola Diferenciada Indígena da Universidade Federal Fluminense apoiado por
entidades de educação do Rio de Janeiro com a participação de vários
professores de Guarani das aldeias de Araponga, de Sapukai e de Itaxi. Devido à
dificuldade de ensinar uma língua falada que não tem uma escrita e nenhum
material impresso foi realizado um trabalho utilizando imagens de animais,
situações vividas pelos índios com fotos e desenhos para traduzir as frases em
fatos visuais.
Como já foi ressaltado no inicio desse texto
trabalhar com línguas diferentes é bastante complexo. Produzir material
didático que sirva de apoio para a aprendizagem das línguas indígenas é um
fator muito importante para a preservação da memória dos grupos, contribuindo
para reforçar a identidade e as raízes culturais das comunidades. Nesse caso o
livro não só é utilizado para o ensino do idioma, mas também para manter viva a
cultura e os ensinamentos dos antepassados dos guaranis porque se utilizam
histórias contadas de geração em geração na tradução das palavras por meio de imagens.
Trata-se de acolher a comunidade em seu próprio idioma preservando a sua
história o que configura o estabelecimento de uma parceria que trará frutos no
futuro. Embora seja essa apenas uma
primeira impressão, pois resulta de uma única visita, parece que no local
visitado estão sendo estabelecidas as bases necessárias para que se desenvolvam
relações hospitaleiras entre a cultura do branco e dos guaranis.
Um idioma não se resume a um monte de palavras
organizadas em frases e utilizadas levando em consideração certas regras
gramaticais. É mediante o idioma que se expressam os pensamentos, os
sentimentos, a cultura que está representada pela língua. O ato de permitir o
acesso a essa cultura e conhecimentos sobre a vida e costumes dos índios,
valoriza mais ainda o ato de Hospitalidade.
O professor de guarani da aldeia Araponga escreveu
as seguintes palavras na apresentação do livro: "A produção do livro está
saindo muito bem. Porque saindo do livro está nossa imagem, nossa história. No
livro aparecem muitas frases da história do ser guarani. Com ele, posso dar
aula na aldeia em guarani para explicar a história que está no livro. Foi muito
importante ter sido feito pelas três aldeias juntas” (BARROS; CASTRO, 2005).
2 QUILOMBO DO CAMPINHO DA
INDEPENDÊNCIA
Conforme relato da guia e representante da
comunidade todos os moradores do local são descendentes de três escravas. Segundo as histórias contadas pelos mais
velhos, as três não eram escravas comuns, pois tinham cultura, posses e
habitavam a Casa Grande. Elas realizavam serviços
privilegiados, tais como tecer, bordar e pentear para os brancos. Conta-se
que no local existiam grandes fazendas, sendo a Fazenda Independência a mais
importante. Após a abolição da escravatura os fazendeiros abandonaram suas propriedades
e as terras foram divididas entre aqueles que nela trabalhavam. E o nome Campinho
surgiu em decorrência do jogo de futebol que os adultos praticavam na
comunidade. Como as crianças tinham que esperar a sua vez para jogar, fizeram
um campo de futebol apenas para elas que foi denominado Campinho. O Campinho da Independência foi a primeira comunidade
quilombola do Estado do Rio de Janeiro a ter suas terras tituladas. Segundo os
relatos da guia, em abril de 2006 o Campinho da Independência era a única
comunidade quilombola do Estado a ter seu título registrado em cartório.
Após explicar a origem da comunidade a
guia apresentou um núcleo familiar, base da divisão padrão da comunidade
adotado para a distribuição das terras. O terreno central pertence ao
representante mais velho da família e no entorno se localizam os seus
descendentes diretos que já constituíram um novo grupo familiar.
O grupo percorreu as ruas da
comunidade, todas de chão batido, onde a guia mostrou o sistema de coleta do
lixo interno utilizando gaiolas de bambu construídas pelos próprios moradores.
Chegou-se à vivenda do morador mais antigo da comunidade, e na seqüência
visitou-se a casa de farinha e local utilizado para a exposição dos
artesanatos.
Para finalizar a visita foram apresentados
os projetos de agricultura sustentável para a exploração dos recursos
preservando o meio ambiente e a construção de um restaurante onde serão
aproveitados os produtos produzidos pela comunidade. O restaurante é um projeto
patrocinado pela Petrobras e será construído pelos moradores.
2.1 Percepções da
hospitalidade
Os negros, tido como inferiores e por
isso escravizados, lutaram pela liberdade desde o primeiro dia em que, a
contragosto, puseram seus pés no Brasil (GONÇALVEZ, 2005, p. 20).
A visita realizada nessa comunidade foi
percebida pelos integrantes do grupo de alunos como muito hospitaleira. A guia
que acompanhou o grupo do início ate o fim da visita, é integrante da
comunidade e transmitiu todas as informações sobre sua família, o que é a
comunidade quilombola, como se dá a organização dos grupos familiares, a luta
pela terra, os projetos e demais iniciativas da comunidade. O relato foi feito
com entusiasmo e orgulho de quem afirma que “esta é a nossa história e a nossa
luta e eu faço parte deste grupo”. O relato da história do grupo visitado se
colocou de forma mais próxima da realidade do grupo visitante o que de certa
forma contribuiu para reduzir a sensação de estranhamento e aumentou a sensação
de acolhimento.
Na percepção do grupo a recepção foi
muito hospitaleira nessa comunidade ultrapassando as expectativas, pois se
mostraram totalmente interessados em divulgar a história de lutas da comunidade
desde a escravidão até os dias atuais mostrando que para eles o reconhecimento
era um elemento importante no estabelecimento de laços com os visitantes. Houve
empenho para que o grupo visitante compreendesse as raízes históricas e a
grande luta para serem reconhecidos como quilombolas.
O orgulho da própria comunidade se
traduziu em uma recepção hospitaleira que foi marcada pelo preparo de uma
refeição com os produtos da própria horta, fazendo com que o grupo se sentisse
de fato acolhido nessa partilha dos alimentos.
Foi possível perceber que existe um
esforço em manter viva a própria cultura entre os mais jovens incentivando o
respeito pela luta dos mais velhos da comunidade. Todos conhecem a história de
lutas para chegar aonde chegaram e fazem questão de estar contando sempre as
histórias para os jovens, para que eles continuem com o trabalho dos velhos que
são como os conselheiros da comunidade e denominados de “grios”.
A comunidade não mais se dedica à caça,
porém continuam com o artesanato e também desenvolvem um trabalho de
agricultura sustentável muito consciente por parte deles e que integra o
conjunto de atividades oferecidas aos turistas que os visitam. O turismo é
praticado em sintonia com a cultura e a realidade do local tendo como
contrapartida, além do lucro eventual ocorrido durante a visita, a divulgação
da história do local o que aumenta a atração e o intercâmbio de conhecimentos
com outras comunidades. A hospitalidade nesse local pode ser também percebida
nos projetos que visam à preservação dos recursos naturais e o respeito pela
terra, um ato de acolhimento da própria vida da comunidade assim como dos
demais grupos.
É importante destacar que no caso dessa
visita o grupo foi recebido por um grupo consciente da importância do turismo e
da preservação de suas próprias raízes como elemento motivador dessa visitação.
O acolhimento, na forma dos serviços que foram oferecidos, foi eficiente o que
garantiu a satisfação dos visitantes. Isso mostrou quanto é significativo que o
turismo se desenvolva em sintonia com o sitio e o quanto o orgulho da própria
cultura faz com que ela seja valorizada pelos visitantes os quais se sentem
honrados de poder partilhar com os locais suas histórias e seus costumes. É
como se o orgulho manifestado pelo grupo visitado atribuísse maior valor
simbólico à partilha que é realizada durante a visitação pelo grupo visitante.
Retomando a questão da língua é
importante registrar não haver aqui diferença de idioma entre os grupos, isso
reduz a distância cultural em relação ao que foi constatado quando da visita
aos Guaranis. Pode-se dizer que a percepção da hospitalidade se deu de modo
mais imediato, pois os dois grupos de certa forma partilham a mesma história o
que não acontece com os índios.
3 PICINGUABA
A vila de Picinguaba é tombada pelo patrimônio
histórico e já existia quando foi definida a área de proteção ambiental. Esta
localizada de forma ambientalmente estratégica, pois faz a ligação entre o
Parque Estadual da Serra do Mar (aproximadamente de 315 mil hectares) com o
Parque Nacional da Serra da Bocaina (80 mil hectares) e com a Área de Proteção
Ambiental - APA do Cairuçu, no estado do Rio de Janeiro (30 mil hectares),
segundo dados do site oficial da cidade de Ubatuba (2008).
Nessa visita não ocorreu a recepção do grupo por
parte de representantes da comunidade. A região possui muitos moradores de segunda
residência que são turistas ou pessoas que trabalham com o turismo na região e
não pertencem à comunidade Caiçara. Os primeiros contatos com a população local
foram durante as entrevistas de campo realizadas pelos grupos de pesquisadores.
Assim a recepção propriamente dita foi acontecendo ao longo das abordagens
realizadas pelos pesquisadores que percorreram algumas ruas que partem da praia
em direção ao morro, onde se concentra a maior parte da população Caiçara
remanescente.
3.1 Percepções da hospitalidade
A comunidade caiçara de Picinguaba deixou perceber certo
desencanto com a atividade turística que se desenvolve no local demonstrando
insatisfação com a concorrência econômica dos que chegam, sejam eles os
turistas de segunda residência ou os que se dedicam a uma pesca mais intensiva
com técnicas consideradas predatórias.
Como já relatado essa comunidade convive há mais
tempo com a atividade turística estando em um estágio diferentes das
anteriores. Partindo da informação de que a comunidade caiçara anteriormente
preparava manualmente suas redes de pesca e que atualmente isso não acontece,
procurou-se entrevistar pessoas a partir do princípio da observação focada na
preparação de redes de pesca ou uma canoa típica da comunidade. Nessa etapa do trabalho
de campo foram encontradas dificuldades na abordagem, pois alguns moradores não
quiseram colaborar quando informamos que o grupo pertencia ao curso de
Hospitalidade e estava fazendo um estudo sobre Turismo situado na comunidade.
Numa conversa informal com dois jovens caiçaras que
preparavam suas redes, eles explicavam que parte das redes que utilizam hoje
são compradas, mas que não deixam de preparar uma parte delas manualmente como
preservação desse patrimônio cultural. Isso demonstra que existe a consciência
entre os membros da comunidade de que o artesanato local e as festas fazem
parte também do acervo cultural dos caiçaras.
O estado geral da Vila é bom, não havendo lixo
jogado na praia e existindo muitas canoas caiçaras de pesca como é próprio de
uma vila de pescadores. O grupo foi informado da existência de uma organização
não governamental (ONG) chamada Catadores de Caco que reúne crianças e
adolescentes, e produzem várias peças com pastilhas de cerâmica, sendo que o
dinheiro obtido por meio das peças retorna para o artesão que as produziu.
Verificou-se que existem 2 lojas aonde são vendidos os artesanatos, sendo que
apenas uma estava aberta no momento da visita in loco. Os artesanatos são
feitos pelos moradores de Picinguaba ou por pessoas de Ubatuba.
A maioria dos moradores pertencentes à população
original vendeu suas terras para os turistas de segunda residência e demonstra
hoje certo arrependimento. Segundo relatos no estágio inicial de instalação os
moradores foram tratados pelos que chegavam com respeito e consideração, porém
no decorrer do tempo isso mudou e hoje nem mesmo cumprimentam a população
local. Segundo um pescador e morador de Picinguaba entrevistado, que também
vendeu suas terras para os moradores de segunda residência e foi morar em
Ubatuba, essa mudança fez com que ele ficasse doente por ter saído da sua terra
nativa. Hoje mora perto da praia, mas numa casa bastante pequena. Disse ainda que
a pesca predatória realizada pelos pescadores do Sul do Brasil, mais
especificamente do estado de Santa Catarina, prejudica mais do que a atividade
turística. O entrevistado relatou que caiçaras cuidam das residências dos
turistas, o que permite compensar a falta de pesca em algumas temporadas do
ano. Um dos traços mais fortes da cultura caiçara, que é mantido ate hoje pela
geração atual, é a pesca com rede feita à mão pelos pescadores.
Ficou claro que a população local (os caiçaras),
não se sente à vontade para falar sobre a venda das propriedades e
transformação da vila com a chegada dos turistas
A reação da comunidade local mostrou que existe
hostilidade na relação com o turismo. Isso parece se dever à perda da própria
cultura por mudança nas atividades econômicas que colocaram os representantes
da cultura local em situação de inferioridade em relação aos novos residentes.
Trata-se de um registro importante, pois a ocupação do local seguiu critérios
de preservação o que não impediu que na troca intercultural ocorresse a perda e
a destruição de alguns valores próprios do sítio.
Considerações finais
Apesar das diferenças culturais e de costumes nas
três comunidades visitadas pode-se perceber
que havia em todas elas vontade de preservação da cultura dos antepassados e uma
mescla de orgulho e prazer em oferecer esse conhecimento aos turistas e visitas
na região. Cada comunidade partilha a sua história assumindo diferentes formas
de comportamento. Os Guaranis, provavelmente em função de experiências
anteriores negativas, exigem incisivamente respeito dos visitantes, deixando
bem claras as suas regras. Ao constatar as boas intenções dos visitantes os
índios narram sua história compartilhando seus espaços físicos, que representam
a luta contra os invasores do seu território e também mostrando que querem
preservar a língua e a cultura estudando a sua história e ensinando aos mais
jovens tudo o que eles aprenderam. A Hospitalidade se manifesta na permissão do
ingresso no circulo familiar e em lugares sagrados, bem como no cuidado com a
segurança do viajante durante a visitação.
A comunidade quilombola expressa a Hospitalidade no
espírito de comunidade desenvolvido com as lutas e a organização da vila, que poderia
ser tomada como exemplo por muitas cidades modernas, pelo seu desejo de
preservação e valorização da terra, que dá água, comida e um local para viver e
conviver. Percebe-se que há uma preocupação em ensinar às outras comunidades da
região e aos visitantes, com os seus projetos, que possibilitam combinar desenvolvimento
e preservação dos recursos naturais de da terra.
No caso da vila Caiçara em Picinguaba, apesar da
invasão do território por parte dos turistas, existe uma luta para preservar a
cultura da pesca com redes feitas à mão e representa um ponto muito forte dos
costumes do seu povo. Percebe-se de forma clara que, embora o turismo tenha levado
à vila a maiores níveis de desenvolvimento e emprego, a população local não
pretende deixar que a cultura artesanal da pesca desapareça entre os mais
jovens.
Esta forma de acolhimento nas suas próprias
histórias, costumes e lutas pela preservação representam atos que podem ser
considerados de hospitalidade porque as três comunidades passam a sua mensagem
não com ameaças ou arrogância e sim com humildade e orgulho das suas lutas e passando
a mensagem de que: “nós fazemos parte da história do Brasil e queremos ser
respeitados como tal”.
Está claro que esse relato representa apenas uma
primeira aproximação com as comunidades visitadas, percepções que poderão ou
não se confirmar no futuro. As informações, embora não sejam suficientes para
ensejar conclusões, permitiram levantar questões significativas a serem
consideradas nos estudos de hospitalidade. Entre essas questões as mais
marcantes na opinião dos pesquisadores foram a importância da comunicação,
especialmente da linguagem e dos significados de cada cultura, e a questão da
preservação da memória como sinal de respeito pela identidade de cada um.
Referências Bibliográficas
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Temporalidade Guarani. Rio de Janeiro: e-papers, 2005.
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Freitas Maneti; BUENO, Marielys Siqueira (orgs.). Hospitalidade: Cenários e oportunidades. São Paulo: Pioneira
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busca da hospitalidade: perspectivas para um mundo globalizado. Barueri,
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ZAOUAL, Hassan. Do turismo de massa ao turismo
situado: quais as transições? Caderno
Virtual de Turismo. vol. 8, n° 2, 2008.
http://www.ubaweb.com/ubatuba/natureza/index_nat_masc.php?natu=nucleopicin
(acesso em 2008)
[1] Mestrando em Hospitalidade na Universidade Anhembi
Morumbi, especialista em Ensino de Espanhol para Brasileiros pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, graduado em Tecnologia Elétrica com ênfase em Eletrônica
pelo Instituto Mackenzie, docente dos cursos de Hotelaria e Turismo da Universidade
Anhembi Morumbi. Experiência na área de ensino de Espanhol no Senac Idiomas e
empresas, atualmente é examinador do exame DELE do Instituto Cervantes. E-mail:
luchancho@terra.com.br
[2] Mestranda em Hospitalidade na
Universidade Anhembi Morumbi, especialista em Gestão Mercadológica em Turismo e
Hotelaria pela Universidade de São Paulo, graduada em Turismo e Hotelaria pela
Universidade Norte do Paraná, leciona nos cursos de Turismo na Faculdade do
Interior Paulista e na União das Instituições de Ensino do Estado de São Paulo.
E-mail: samantacabral@hotmail.com
[4] Etnocentrismo: Visão das coisas segundo a qual os
valores e o modo de ser do próprio grupo são o centro de tudo, e todas as
outras são avaliadas e julgadas com referencia a ela (HOEBEL; FROST, 1976, p. 446).